14 de março de 2011

O BOI ESTÁ SOLTO


Nei Duclós (*)

O escritor Lima Barreto era contra o futebol. Criou até uma liga para reprimir o esporte. Achava que era violento e facilitava o crime. Estava cheio de razão, o futebol é mesmo uma peste. Lembram dos hooligans ingleses que mataram um monte de gente provocando sururus em estádios? E quanta gente morreu na várzea disputando um pedaço de couro entre tiros e garrafadas? Mas nada disso tira o encanto do futebol, que cresceu e se consolidou como um esporte dentro da lei. Faz vítimas, mas não pode ser criminalizado.

Tourada então nem se fala. É uma sacanagem com os touros, empurrar aquelas espadas, fincar-lhes bandeirinhas afiadas, toureá-los com uma capa vermelha. É uma tortura a céu aberto, nas fuças de todo mundo, que aplaude a grande arte ibérica da tourada. No Brasil esse era o esporte favorito antes dos ingleses romperem a tradição trazendo o biroço d´além mar para criar uma espécie de elite esportiva em que só brancos ricos entravam. Imediatamente, a bagacerada pegou a sobra dos lances que expulsavam a bola para fora dos estádios e começou a chutar a esmo pelos arrabaldes, o que gerou o futebol brasileiro, como conta Mario Filho em seus textos inesquecíveis.

Imaginem Pamplona sem aquela corrida de touros em que todos cometem suicídio coletivo se atirando na frente de touros furiosos. Já existe até um movimento para acabar com a festança, mas talvez não cole. A cidade ficou famosa por sua farra do touro e ainda não existe força suficiente para evitar que ela aconteça. É diferente daqui, onde a tourada foi esquecida e hoje sobrevive em algumas lugares, como no litoral catarinense. O pessoal se reúne na época da Páscoa e faz do boi uma espécie de Judas, como arrisca dizer a Wikipédia. Mas, como no futebol, se cometem excessos.

Em função dos energúmenos que torturam o boi , proibiu-se toda a prática. Você não acaba com uma tradição,um hábito de gerações,com fundas raízes na época colonial e que mantém viva a vontade de transgredir, como acontece no carnaval. Imaginem se todo o esforço em acabar com o carnaval, como era comum no início, desse certo. Teríamos até hoje algo pulsando forte abaixo do piso da nação.

Mas o carnaval, como o futebol e as touradas de Madrid, sobreviveu e hoje faz a alegria de um monte de gente. Criminalizar toda a Farra do Boi e não apenas seus excessos é erro grave. De mais a mais, o povo é invocado e vai continuar farreando. Não fazem farra em Brasília e fica por isso mesmo? Ara. Porque liberam a Farra do Homem Vestido de Mulher e reprimem a Farra do Touro Eunuco? Não é um caso de polícia . A Farra do Boi poderia ser liberada e monitorada, como o Carnaval e o Futebol, que quando soltam os freios fazem vítimas .Torturar o boi ou invadir e destruir casas não podem ser ações permitidas. Mas a tourada dentro de limites deveria ser atração turística .

Por enquanto fica o rolo. O povo insiste na tourada não só por hábito, mas para implicar e contrariar. O boi está solto.

RETORNO - (*)1. Texto publicado originalmente no Cangablog. 2. Imagem desta edição: Tourada à corda na ilha Terceira, Açores, Portugal. A Farra do Boi foi trazida para a o litoral catarinense pelos açorianos.

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