5 de maio de 2011

APRENDER


Nei Duclós (*)

Apesar de toda a demagogia que se faz em torno do assunto, a verdade é que aprendemos pouco. Há uma resistência natural ao aprendizado chamado vaidade. Por isso são raros os momentos decisivos em que fomos pegos de surpresa e obrigados a baixar a guarda diante da contundência de novos significados. O importante são aqueles impactos que mudam você para sempre, em que o aprendizado se faz de melhor forma, pela ruptura.

Costumo definir como divisor de águas a aula no curso de jornalismo da Ufrgs em que o professor nos leu Fernando Pessoa. Eu já tinha 19 anos e jamais ouvira falar no grande poeta. Foi como um tufão varrendo a praia. Fiquei pasmo com a eloqüência da minha ignorância. A partir daquele instante, descobri todo um tesouro literário que eu não tinha descerrado, apesar de me achar bem formado, leitor de muitos autores. Nenhum deles, porém, se manifestara com a força daquele poeta na manhã de outono no distante 1968. Era diverso de tudo o que eu conhecia e tão atual que parecia ter nascido ontem.

Na vida profissional, nada se compara ao convívio próximo numa redação com Mino Carta, o jornalista número 1 do país. Ele contrariava tudo o que se referia ao mito. Primeiro, não “trabalhava” no sentido burro do termo. Mino não se esfalfava em suores frios diante do deadline, não batucava furiosamente sua máquina, não disparava ordens a cada segundo. Ele, aparentemente, deixava tudo andar. Colocava a responsabilidade total, absoluta, na mão dos jornalistas da equipe, que eram ao mesmo tempo pauteiros, editores, repórteres, redatores.

Ao mesmo tempo, intervinha em todas as etapas, quase sem que fosse notada essa sua mão de mestre. Na reunião de pauta, todos davam sugestões e quem levantasse uma lebre era responsável por ela. Mas Mino colocava à disposição do jornalista a mina de fontes, o professor Luiz Gonzaga Belluzo, presidente do Conselho Editoral da Revista, que acorria com nomes, telefones, idéias.

Depois, desenhava página a página, na frente do editor da seção e via o início de cada matéria – e quando necessário, lia até o fim, mas era raro. Perguntava do que se tratava e pedia prioridades. A partir disso, o artista pincelava a diagramação coluna a coluna. Quando vinha o resultado da gráfica era uma festa. Ele jogava o maço de papel impresso na parede gritando:” Isso chama-se matar uma revista!” A uma pergunta tola, emudecia e olhava o interlocutor com espanto. Lendo um lugar comum, anunciava o erro para toda a redação. Se alguém se destacasse, colocava-o contra os outros, “que nada faziam”.

Se ficasse realmente furioso, jogava sua pequena máquina Olivetti no lixo. Tanta pressão gerava desconforto no aprendiz que era eu, que com ele soube como fazer uma revista a partir de quase nada, em todas as suas etapas. Na minha hora de decidir com ele, acabava ficando só diante das páginas em branco. Mandava então seu fiel motorista, o Dó, me buscar no bar. Dó vinha e me dizia: “O Mino está te chamando”.

-Que espere!, dizia eu.

Seis anos disso. Saudade? Toda a saudade do mundo.


RETORNO - (*) Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana

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