9 de janeiro de 2012

FIM DE MUNDO


Nei Duclós

“Essa foi mundial”, dizíamos naqueles idos, para destacar alguma coisa. “Do Recife para o mundo”, dizia o locutor de uma rádio famosa. “O que vai pelo mundo” era o nome de um cine-jornal, o noticiário que vinha antes dos filmes quando nem havia televisão direito. Hoje é moda a crônica esportiva falar em melhor do mundo, mas o fato é que a partir da ECO-92, mega-evento internacional realizado no Rio, a palavra foi substituída por planeta. Prefiro mundo, enche a boca. Fim do mundo, ou fundo da garrafa, de onde não há escapatória.

O Marechal Rondon achou que tinha jogado os revolucionários de 1924 numa sinuca de bico, contra uma parede intransponível, a fronteira com o Paraguai. Mas Miguel Costa, Luiz Carlos Prestes e seus combatentes simplesmente cruzaram a fronteira e de lá do Paraguai adentraram e dali para o Mato Grosso, onde iniciaram o famoso raid da Coluna. “Aqui é o fim do mundo”, dizia o hino tropicalista em 1969 cantado por Caetano. O mundo não será mais o mesmo, gostam de dizer a toda hora quando há algum evento considerado importante.

Neste 2012 que começa, anuncia-se novamente o apocalipse, o fim do mundo, desta vez baseados em documentos maias. No ano 2000 a fonte era Nostradamus e por anos tivemos de aturar a paranóia de que o fim do século 20 significaria o fim da espécie e do globo. Talvez tenha sido. Este século nada tem a ver com o anterior. Para começar, éramos moços. Não existia o atentado às Torres Gêmeas nem o desencanto político que nos acomete junto com as estatísticas mentirosas sobre nossa economia, cada vez mais inflacionada e encalacrada.

Gosto de citar repetidamente uma expressão do Gabriel Garcia Marquez nas páginas finais de Cem Anos de Solidão, de que “o mundo nunca acaba de se acabar”. Acho isso perfeito. O mundo acaba para quem morre, mudanças radicais nos obrigam a deixar para trás uma visão tornada obsoleta, as teorias científicas levam também para esse apocalipse rotineiro que nos assombra. Podemos imaginar o impacto da teoria heliocêntrica sobre a geocêntrica e até hoje não assimilamos direito a Relatividade, pois fomos formatados pela física de Newton.

Não é fácil mudar. O que temos sempre é a sobrevivência de percepções consolidadas. Normalmente nossa cabeça vive no século que nos gerou. Sorte de quem nasce agora, não terá essa virada de pernas para o ar que é mudança radical no calendário quando começa um novo tempo. E no nosso caso, começa assombrado pelo fim do mundo. Temos essa ameaça de origem, como se o mundo tivesse esgotado sua capacidade de sobreviver ou considera injusta sua sobrevivência. Talvez esse seja a fonte do comportamento suicida que vemos nas estradas nas temporadas de férias ou em qualquer época dedicada ao lazer.

Parece que há culpa de romper hábitos para sair de férias e joga-se pesado no caminho como se fossemos tirar o pai da forca. Ou então é a ansiedade de chegar logo para “aproveitar”. Ou então é o medo de ter de voltar à rotina depois de alguns dias de ilusão. A mortandade é exagerada. Em 30 anos, 1 milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil. Tínhamos estatísticas de Vietnã, agora é de Segunda Guerra Mundial. É o fim do mundo, como diziam nossas tias avós.


RETORNO – 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: obra de Daniel Rideway

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