17 de março de 2012

DE VOLTA PARA O FUTURO: POR QUE FUNCIONA?


Nei Duclós

É lei: toda vez que vejo um milissegundo de qualquer cena da série de três filmes “De volta para o futuro” eu acabo vendo tudo de novo. Qual a mágica? A perfeição nos detalhes. Não tem linha fora no script. Os cenários são convincentes. No lugar de épocas maquiadas, temos reproduções dos sinais do Tempo que sugerem autenticidade. O mais hilário e encantador são os cruzamentos de épocas, como o carrinho de rolimã dos anos 50 que vira skate dos anos 90, ou a impagável cena do bailinho do colégio, com a empolgação do protagonista na guitarra, que começa com Little Richard e termina com AC/DC.

Outra coisa que pega fundo no filme (veja os três como um só) é a conexão incestuosa entre mãe e filho que é rompida pelo puritanismo do beijo que não funciona. É um jogo sofisticado. O garoto luta para não desaparecer e vira alcoviteiro dos próprios pais para que não haja interferência nefasta no futuro das pessoas. Mas esse princípio de não interferência é rompido pelo próprio cientista, que se preserva do atentado depois de ter lido como iria morrer. Isso também é forte nessa obra antológica: os paradigmas mudam conforme a trama vai se intensificando.

Seria muito fácil se perder no vai e vem do tempo, mas existem âncoras perfeitas para que tudo funcione. Uma delas são os próprios filmes. Quando o garoto faz sua primeira viagem, se certifica que está em 1955 quando vê os cartazes de uma atração no cinema local com Barbara Stanwick. Há também a encarnação de clássicos, como na assustadora sequência, já no terceiro filme, em que o protagonista vê o mundo destruído pela sua própria culpa, como acontece no clássico de Frank Capra It´s a wonderful life. James Stewart confrontado com a ruína de sua vida depois de ter pedido para não ter nascido é idêntico ao jovem que testemunha a derrocada da sua cidade e de sua família depois que o vilão rouba os resultados dos jogos e assim fica rico e poderoso para acabar com tudo.

As inúmeras citações e encarnações da cultura dos últimos 50 anos fazem do filme um balanço da criatividade americana, do faroeste aos gibis, as histórias de ficção científica, os grandes ídolos musicais, o marketing, os produtos de referência, da Pepsi a Calvin Klein. Assim vemos sequências bem montadas que cruzam terninho e gravata com roupas futuristas, timidez com abuso, terrorismo com romance, vocação com frustração, medo com coragem, ciência popular com os comics etc. Seria fácil se perder nesse emaranhado, mas isso não acontece. Devido também à magnífica direção de atores, todos antológicos em seus papéis.

O cientista louco (Christopher Lloyd ) é o próprio professor Pardal da Disney, inclusive com o chapéu de ter idéias, um dos elementos mais conhecidos do grande personagem das revistinhas. Michael J. Fox é o carismático viajante no tempo que seduz sem querer a própria mãe (Lorraine Baines). Crispin Glover faz o atrapalhado autor de ficção científica que sofre para conquistar seu amor. E Thomas F. Wilson é um dos vilões mais execráveis da história do cinema. Adoramos odiá-lo e torcer para que McFly reaja depois de ser chamado de chicken.

O filme trabalha o sonho americano dos vencedores. O garoto ganha o carrão sonhado e reencontra sua bela namorada (Claudia Wells), o pai vira autor consagrado, a mãe fica magra e deixa de beber e o bandido vira subalterno limpador de carro para expiar sua culpa das atrocidades cometidas. O filme não aposta no erro, mas o estoca com cenas intensas de suspense, como a do raio na igreja, quando o professor faz um Harold Lloyd suspenso no relógio da torre, como no filme clássico super citado. Enquanto em Hugo a citação de Harold Lloyd no relógio é reprodução pura e simples, em De Volta para o futuro é altamente elaborada.

O director Robert Zemeckis, que escreveu o roteiro junto com Bob Gale, faz parte da turma do produtor Steven Spielberg. Sempre Steven, o gênio.


RETORNO - Imagem desta edição: cena em De Volta para o Futuro I, com Christopher Lloyd e Michael J. Fox.

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