2 de março de 2012

VOCAÇÃO


Nei Duclós

A Lua é poeira que não se dispersa, mantém unida sua vocação de deserto, gira para dar forma ao oásis da água inexistente que vertes.

Vi quase de perto teu caminhar apressado e notei que tens um botão que enfeixa todas as linhas, um ponto em comum onde escondes o que há de mais formoso e ninguém chega porque guardas para alguém, que se não for eu, destruirei o mundo.

Andavas na rua no mesmo passo e na mesma direção. Parecia que eu te seguia, mas era só o Destino.

Tão linda e inteira na minha frente, posso tocar num fio do teu cabelo?

Amor é quando alguém respira a seu favor.

Dás bandeira num gemido mas não te entregas no momento do visgo. O que há, arisca?

Tens medo do que farei contigo. Nada, que não consintas.

Ouvimos uivos, gritos! disseram os vizinhos, alarmados. Estamos discutindo a relação, disse ela. Preciso ser convincente.

Não quero cair na mesmice. Não sinto falta do convívio. Apenas uma lágrima de fogo queimando o sonho.

Pode esperar sentada o poema. Não obedeço quando o desejo encomenda. Prefiro pular na tua cadeira.


SUSSURRO

Nada demais, apenas o sentimento que ficou agora à toa. O que faço com ele? Afogo no poço? Ou jogo um balde dele em cima de ti, no entrudo?

Recuperei versos antigos e agora voltei a inventar as fantasias contigo. Escuta o que jamais se cala: a poesia feita no sussurro.

Deves estar tecendo a roupa para o próximo encontro, que será com alguém que desconheço. Não invente, princesa do alvoroço.

Jamais voltamos ao que éramos, aquele círculo mútuo criado pelo amor e seus caprichos. O futuro é sempre disperso, como os ventos sem dono que um dia levantaram teu vestido.

Esqueci como eras. Tinhas um cabelo no ombro, um mar de açúcar nos olhos, um perfil de estátua. Eu era o escolhido. Aí houve a ruptura, quando perdi a majestade

É uma contradição. Tua cara impassível e o recado dilacerado que me atiraste pela janela.

Apaguei todos os teus vestígios. Ficaram apenas algumas pétalas que não teimam em murchar, grudadas no vidro úmido do dia.

Prometi que desta vez deixaria andar. Mas teus passos ressoam em mim, deslizando sobre o que sobrou das minhas tardes sem ti.

Por que consulto tanto meu e-mail? Já disseram não.

Sabe aquele lugar onde íamos? Fui lá ontem com outra pessoa. Só o bentevi se ofendeu e ficou me advertindo.

Nem pensei em ti. Só para retaliar.

Explorei os confins do universo. Te achei entre estrelas fazendo a sesta. Não quis te acordar, bizarra.

O assunto é aquele de passar a mão no ombro e esperar o sim para ir adiante.

A Crescente é um borrão branco no azul da tarde. Parece pequena nuvem que a mão de um anjo prejudica.


RETORNO – Imagem desta edição: Keira Knightley, de novo.

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