13 de abril de 2012

LÁBIO


Nei Duclós

Teu lábio inferior age com deliciosa superioridade quando encaixo um beijo.

Nosso amor é uma licença poética.

Estendeste a mão ao se espreguiçar. Foi quando o sonho me deu um susto: eras real.

Desconhecidos, acabamos juntos num trabalho voluntário que exigia esforço físico. Carregamos coisas de um lado pra outro e depois nos envolvemos com embalagens, laços e fitas. Nosso suor se revezava com a vontade trêmula de nos beijar.

Quando me atinges com o olhar, fico fazendo parte do teu acervo. Grudo sem pesar, no bolso da tua natural majestade.

Acordei quando depositavas presentes na minha janela. Mas não fiz ruído. Fiquei olhando tua beleza apaixonada pelo momento.

O único privilégio é estar em teu campo de visão. E depois, na tua lembrança. Essa é a minha riqueza.

A palavra nos completa. Somos o tempo de um beijo.

Não tenho verso bonito, tenho você, fonte de tudo o que sinto.

Esqueceste, ave marinha, de deixar comigo o coração que te dei. Levaste junto nas tuas plumas de vento.

Você partiu, andorinha. E emudeceu, junto com todo o resto.

O que faço agora, sem ter você ao lado, com o vestido fino batendo nas pernas ensolaradas?

O poema que te escrevi na areia foi engolido pela maré cheia. Deveria imaginar que ali não era o remanso que anunciavas.

Não posso continuar assim, está proibido. Preciso enterrar o poema do amor que não deveria sentir.

Espero que compreendas quando partir. Estou por aqui tempo demais. Eu nasci antes do sol, trêmula ametista.

Agora voa, maravilha. Use meu verso como asa e brilho.


RETORNO – Imagem desta edição: Sophia Loren .

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