1 de abril de 2012

RESPIRAR


Nei Duclós

Leve uns versos para viagem. Não são para ler, mas para respirar.

Posso te tocar? Se deixares, me tocarás.

Te quero tanto que te pus no bolso. De vez em quando tiro para ver teu rosto. É idêntico ao presente que me deste, um doce.

Tudo é para ti, essa arte que extraí do meu silêncio, melodia que compus contigo dentro.

Não domino mais o curso dos versos que lancei ao mar. Eles aportam em ilhas do teu olhar.

Reserva um tempo para outras coisas, disseram. Eu reservo. Mas o amor é como criança, sempre se mete no meio.

A liberdade é uma prisão sem ti.

Passei rápido por você. Deixei a seus pés, como sempre, tudo o que sou, nessa passagem.

Preciso me atualizar. Vou ler tuas páginas.

Dividi a cama contigo. Te amontoaste em busca de abrigo. Depois partiste porque estavas perdida. Mas deixaste tua blusa cinza, para vir pegar em seguida.

Sabe quem te ligou? Alguém. Não disse o nome, só chorou um pouquinho.

Preciso de um coração novinho, disse ela. Aquele perdi, quando me deste o fora.

Você não cansa disso? perguntaram. Sim, mas quando descanso volta tudo, disse ele.

Meu tempo livre está preso em teu vestido.

Cultivei o correio. Reguei o endereço. Fui entregue de manhã, quando ainda estavas com sono.

Esqueci o que ia dizer. Acho que foi essa luz. Fecha um pouco os olhos para ver se eu lembro

Lês o poema que escrevi no papel em branco do coração.

Expliquei mecânica quântica naquela tarde em teu quarto. Meu toque era partícula e onda ao mesmo tempo.

Serei como um espírito. Puxarei pelo teu pé até ouvir teu grito. Aí te trarei para perto como se faz com uma flor tonta de suspiros

Pedes colo trazendo teu cheiro e teu coração ofegante para perto do meu rosto. Morro em ti, tesouro.


SAIA

Mesmo quando vais embora por algumas horas me habitas com o vai e vem da tua saia.

Estavas ainda mais linda na sua volta. Falando coisa com coisa, como sempre. Encanto.

Me amarro em você. Somos nós.

Você voltou a conversar comigo. Nem os pássaros quando voltam depois de longo inverno compõem um sinal mais explícito da minha alegria.

Apaguei em tua homenagem. Me acendeste só de sacanagem.

Você marcou hora para ir embora. Por que não vai agora para economizar o sofrimento da espera?

Não me dê nota. Sou previdente. Já fui reprovado com antecedência.

Acabe com a tortura. Decrete anistia. Sou uma passeata contra a tua tirania. E não iluda: recuso o exílio.

Havia uma revoada de amor ainda agorinha. Que fim deram aquelas asas? Atraídas talvez pela viagem do sol em direção ao abismo, a fuga da luz caindo para escapar do tua imagem oculta pelo escuro

Hoje na hora do apagão o beijo estalado em ti será o meu. Quando voltar a luz, verás que não tem ninguém. Não se assuste.

Sabe o que ela respondeu? Nada. Por isso mergulhei na tarde e desapareci, como pássaro pescador que não volta à superfície.


LUA OCULTA


Não vi a Lua. Me contentei com você, musa.

A Lua de dupla face claro-escura ocupava o centro do firmamento. Depois pendeu, com o peso da luz, para o horizonte. Ainda deu tempo de vê-la boiando ao lado de Vésper

Sequei o coração sob tua inclemência. Agora que é noite jogue na bacia. Ele fará companhia com o reflexo da Lua.

Todo mundo pôs roupa neste frio de Outono. Só a Lua continua nua.

Palavras bonitas servem para desvio do dinheiro público. Tenho lixa, roçado rude, urzes sob medida para tua pele de pêssego.


ESCRAVOS


Antigamente existiam pessoas "liberadas". Caiu em desuso. Todo mundo voltou a ser escravo.

Em terra de escravos, todo mundo é senhor.

Quando passa da meia noite é porque a noite perdeu a hora.


RETORNO – Imagem desta edição: Isabelle Huppert.

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