7 de maio de 2012

MEDIUM: A ORDENAÇÃO DO CAOS



Nei Duclós

Todos os dias o canal 43, Universal, da Net, apresenta a série Medium, que foi ao ar originalmente entre 2005 e 2011. O autor, Glenn Gordon Caron, é o mesmo de A Gata e o Rato, grade hit dos anos 80 com Cybill Shepherd e Bruce Willis. É um escritor competente, engendra bem cada capítulo sobre a colaboradora da polícia, a médium Allison Dubois, interpretado por Patricia Arquette (foto), casada com um dedicado Joe (Jake Weber), mãe de três filhas e  amiga do policial Manuel Devalos (Miguel Sandoval). A série faz parte da competência americana de ordenar o caos e colocar nos eixos tudo o que escapa, é bizarro, violento, contraditório, anti-familiar, criminoso, disperso, pedófilo, drogado etc.

A âncora dessa ordenação é o ambiente profissional incorruptível e o familiar, onde o marido, empreendedor tecnológico de remuneração oscilante, cuida da prole enquanto a esposa tenta interpretar seus sonhos para descobrir os criminosos. O esqueleto da narrativa não muda: personagens do crime aparecem para a médium, dormindo ou acordada, misturando sinais e colocando sempre em risco a sua profissão, uma habilidade bizarra num mundo racional. O truque é simples: tudo pressiona contra a mediunidade, inclusive por parte da própria sonhadora. Ela também se coloca em dúvida, assim como o seu entorno familiar e profissional. Mas no fim, por maneira transversa normalmente, consegue ajudar a elucidar o rolo.

A médium é um imã para todo o caos que cerca a vida americana.  Nela confluem as taras,o sangue, a brutalidade, as traições. Ela está bem escudada, não apenas pela sólida composição familiar, mas principalmente pelo exercício da dedução,que mesmo funcionandom corre o risco de não dar em nada e confundir, já que deduzir cruza racionalidade (Dr. Watson) com imaginação criadora (Sherlock). No caso dela, a imaginação pode chegar ao delírio. Contra esse perigo estão atentos marido, chefes e colegas. Há sempre margem para a credibilidade, que some no início do episódio seguinte, para que as histórias sigam adiante. Partir do zero impulsiona o novo episódio.

 Os vilões se dividem entre os que a temem, os que a ignoram, os que a perseguem, os que procuram uma ponte ou para enganá-la ou para ajudá-la a decifrar o mistério. Mas esse caos que pressiona o mundo adulto estaria isolado e sem força se as filhas da médium não entrassem na rota de colisão. Principalmente a mais velha, Ariel  (Sofia Vassilieva), adolescente que costuma dar o passo errado para, orientada pelo pais, se recompor no final. Ou então para mostrar como a educação que recebe está correta ao tomar a iniciativa de atitudes éticas.

Os americanos cuidam da descendência, ao contrário do Brasil, que rifa sua meninada entregando-a à sanha assassina e perversa. Os conflitos são os mesmos, o que muda entre as duas nações é a responsabilidade. Uma criança que recebe educação tradicional, alfabetizada, dentro de princípios morais, religiosos ou não, mas rigorosos, pode depois muito bem abraçar a radicalidade. Não se pode é, desde a infância, encaminhar a garotada para a transgressão esperando depois que cresçam libertária. Não vai dar certo.

Pode-se contestar essa auto-censura permanente da cultura americana que jamais abre a guarda e está atenta em favor de suas ideias fixas. Mas o fato é que há uma base, um esqueleto que segura a criatura social complicada e múltipla (ou pelo menos eles insistem na representação dessa ordem via indústria do espetáculo). Há uma tremenda repressão nos EUA e Europa e toda a critica que se faz às falsidades civilizatórias procedem. Mas é bom lembrar que a dialética se impõe no jogo entre tradição e ruptura. Medium estabelece um carrossel de conflitos que acabam sempre a favor dos protagonistas, é claro. Pode parecer babaca e muitas vezes é. Mas a série funciona e às vezes é até divertida. Costumo ver.