5 de agosto de 2012

ARRULHO DE NEBLINA


Nei Duclós


Não sou porto nem ilha, mas o que passa sem ser o tempo, o que fica pedindo auxílio.

Sozinha, tens a companhia do inseparável sentimento. Fonte sem proveito, arrulho de neblina.

Um dia perfeito de agosto se despede. Prévia do verão, tom de primavera. Dizem que vem friaca de novo. Valha-nos

Invento que és minha e sentes, à revelia, um tremor nas pernas. Será o vento?

Me visitas, esquecida do amor que havia nas palavras. Mas resisto e te espero na próxima curva.

Vestes uma saia, do verbo sair. Uma blusa, do verbo bulir. Um sapato, do verbo tirar. Uma luva, do verbo luar.

Te peguei pela palavra. O resto veio abaixo.

De novo foste embora, reincidente. Vão prendê-la por desacato. Amor é autoridade no pedaço.

Te esperei no aeroporto até o século seguinte. Tinhas mudado de rota, à revelia da minha esperança.

Escancarada. Palavra rota e suada. No auge, reparte. Na ressaca dá remorso, mas depois pede de volta

Quando pegaste aquele avião, minha vida foi embora.


AGIR É VERBO

Deus é obra do acaso, mas nunca foi forte em arqueologia.
 
Realidade é a incorporação e manifestação da palavra. Agir é um verbo. Poesia, portanto, não é devaneio. É invenção do real, concorre com o poder.

Poesia é palavra, realidade. Como o resto da realidade, pois estamos cercados de palavras.


RETORNO – Imagem destga edição: Cristiana Carvalho.