15 de janeiro de 2013

AGILDO BARATA, SEGUNDO GRACILIANO RAMOS



“Esquisita pessoa, Agildo. Minguado, mirrado. A voz fraca e a escassez de músculos tornavam-no impróprio ao comando. A sua força era interior. Dizia a palavra necessária, fazia o gesto preciso, na hora exata. Economizava ideias e movimentos para utilizá-los com segurança: moreno, rosto impassível, tinha uns longes de esportista japonês: ligeiro desvio, avanço ou recuo oportuno assegurava-lhe a vitória. Preso,dirigira a sublevação o3.º Regimento e tão bem se comportara que, após breve luta, estava no cassino, vigiando os oficiais legalistas vencidos.  Faltava um major e ninguém dera pela ausência dele: provavelmente sucumbira na peleja. 

Súbito o desaparecido invadira a sala, gigantesco, chegara-se ao carcereiro, uma pistola em cada mão. Às desvantagens naturais Agildo somava então inconvenientes acessórios: apanhavam-no de surpresa, sentado, via um sujeito enorme, em pé diante dele, manejando armas. Estou frito, dissera por dentro. E levantara-se para morrer. O colossal major, rubro e afobado, largara as duas pistolas em cima de uma banca e expressara-se veemente:
- Rendo-me. Contra a força não há argumento.”

No capítulo 13 da Segunda Parte do Volume I de Memórias do Cárcere, Graciliano Ramos traça esse perfil primoroso de Agildo Barata, uma personalidade conhecida nas leituras sobre a época das revoluções dos anos 1920 e 1930. Li a autobiografia de Agildo e também as páginas que a ele se referem em Juarez Távora e outros memorialistas.  Jamais tinha tido uma ideia exata da figura até chegar a este parágrafo de ouro. 

O capítulo todo é dedicado a Agildo, que segundo Graciliano, tinha  a qualidade rara de “apreender num instante as disposições coletivas”. O episódio em que Agildo lidera a briga por talheres decentes, em que os presos jogam as refeições no pátio com grande estardalhaço, é de fazer saltar da cadeira.


RETORNO - Imagem desta edição: a revolta de 1935.