3 de fevereiro de 2013

AMOUR, UMA AULA DOS FRANCESES



Nei Duclós

Amour (2012), vencedor da Palma de Ouro de Cannes 2012 e o candidato francês ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro 2013, concorre também na academia americana em mais 4 categorias: melhor direção e roteiro (ambos de Michael Haneke), filme do ano e  atriz principal, para Emmanuelle Riva. Nascida em 1927 na França, Emmanuelle, a Elle do genial Hiroshima Mon Amour, de Alain Resnas (1959) pode levar o Oscar por sua performance dramática, radical, sincera, emocionante nesta obra sobre o estado terminal de uma anciã e a decisão do esposo de cuidá-la até o desenlace.


Se existe um cinema voltado para o humano, esse é o francês. Vejo montes de obras que são feitas lá sobre famílias, crianças, educação, velhice. Às vezes eles cometem alguma ação, que imediatamente é copiada pelos aliens, os americanos. Neste Amour, vê-se a humanidade em sua integridade: fragilizada, cínica, desesperançada, com os laços familiares rompidos, num ambiente de indiferença e hostilidade. O único vínculo é entre o casal que se volta para dentro da casa e trabalha as memórias, não no que elas tem de saudade, mas no que significam para o presente.

Uma cena em especial me chamou a atenção. O marido, interpretado pelo bom Jean-Louis Tritignant, lembra a conversa que teve quando garoto com um colega violento e impertinente, que perguntara de onde tinha vindo. Ele viera de um cinema e contou toda história que viu na sala escura. Diz então o narrador que ao contar o filme reviveu o drama apresentado na sessão e chega a fazer uma comparação. Confessa que lembrar o filme foi mais emocionante do que vê-lo. É uma síntese sobre a Sétima Arete. Todo filme é sobre cinema e este não escapa da máxima, que é minha frase chave para os ensaios que faço sobre este assunto.

Estamos vendo uma narrativa de anciãos  envolvidos com o resto de suas vidas, resgatando porções da própria existência por meio de histórias que jamais tinham sido contadas um para o outro. É um resgate profundo numa vida a dois que tinha tudo para ser previsível. Mas a agonia e a morte são sempre uma surpresa, uma ruptura não planejada de uma longa trajetória. O filme sobra em eficiência narrativa, minimalista ao extremo, focado no que quer abordar, deixando um travo amargo das relações humanas em ruínas, onde resta apenas o apego de um casal de um outro tempo (a filha é separada do marido).

A música costura as cenas, já que os protagonistas foram professores de piano. No início do filme, eles comparecem a um concerto do aluno brilhante e bem sucedido. A câmara mostra apenas a plateia e não o pianista, num deslocamento próprio de filme que procura eliminar tudo o que é supérfluo. Mais tarde, o aluno vem visitá-los para agradecer e homenagear, mas fica chocado com a situação. Isso se torna insuportável para a velha mestra, que prefere também cortar esse vínculo afetivo com seu passado. Sem saída, enfrentando um processo que se aprofunda na dor e no sofrimento, vemos os espíritos se debaterem entre paredes até o momento em que, libertos da agonia, podem enfim retomar hábitos antigos, como dar uma volta na chuva colocando o sobretudo.

Filme tremendo. Merece Oscar. Especialmente a Emanuelle Riva, que se destaca entre as outras concorrentes. Minha candidata era a garota Quvenzhané Wallis, de Indomável Sonhadora, mas agora é a Riva, já que Naomi Watts é apenas um exagero no péssimo O Impossível, Jessica Chastain está bem, mas não explode em A Hora mais Escura, e Jennifer Lawrence me surpreendeu em O Lado Bom da Vida, mas não chega aos pés da veterana atriz francesa.