29 de maio de 2014

ASTROLÁBIO



Nei Duclós

Não houvesse a lógica das esferas
não haveria outono, pomar de tua espécie
nem primavera, floração de vida eterna
mas só verão, meu coração de areia
e inverno, meu corpo sob a neve

Haveria a treva, cosmo sem estrela
curvas de abandono, esquinas de fronteira
onde a tocaia espreita, mão na cartucheira
e não teu rosto, descendo a carruagem
sobre a planície intacta, cura da cegueira

Haveria esgrima, talho de alto a baixo
forma sem o barro, caos sem partitura
e não a valsa, aperto na cintura
jamais o sonho, espada em mundo falso
próximo em tua corte, fada soberana

Não fosse a álgebra e a trigonometria
que rege cadafalsos na órbita celeste
minha função seria a tosca aritmética
onde calculo o custo de viver sem vida
Mas fui adotado pela ciência empírica

Tentativa e acerto, eis minha conduta
mestre do astrolábio, bússola bendita
raiz quadrada em partes do infinito
fórmulas cifradas, sinais dos artifícios
Símbolo e compasso, ângulo e pirâmide

É lá, no Olimpo, onde tudo é escasso
(os deuses se foram levando a poesia)
que és absoluta, musa em meu conflito
submetida à obra de obtuso escriba
que faz por amor o que seria estéril


RETORNO - Imagem desta edição: O Geógrafo, obra de Vermeer