6 de setembro de 2014

WOODY ALLEN EM ROMA: A FALSA CULTURA



Nei Duclós

Na última cena de O Dorminhoco (1973), Woody Allen diz que só acredita no sexo e na morte. O resto é o verniz cultural fake da nossa época, em que as vanguardas envelhecem acreditando estarem á frente do seu tempo, a vigarice das citações impera para fazer apenas o jogo da sedução e o irrelevante é guindado ao status de celebridade.

Tudo isso fica explícito em Para Roma, com Amor (2012), mosaico de situações em que as personagens se perdem de seus vínculos par encontrarem suas fantasias, mais ou menos o que acontece em Midnight em Paris (2011), quando o escritor cruza o umbral do tempo para chegar até seus ídolos literários dos anos 1920. Desta vez, o que as pessoas perdidas em Roma enxergam são os famosos do cinema ou da arquitetura, para descobrirem que não passam de tratantes, que encarnam uma falsa consciência que ao fim se desmascara.

O amor a Roma é o que a cidade tem de permanente, ao contrário das pessoas volúveis e instáveis, como a atriz desempregada que rouba o namorado da melhor amiga e o abandona na primeira oportunidade de brilhar num filme. Ou da recém-casada com fama de santinha que trai o marido com um movie star gordo e careca considerado o cara mais sexy do mundo. A ironia de Allen se estende até a crueldade, quando o velho vanguardista (interpretado por ele mesmo)tenta fazer de um papa-defunto uma estrela da ópera que canta nu tomando banho em grandes palcos para finas plateias . Uma ideia considerada imbecil que o vaidoso veterano , monoglota, acha que é elogio.

Nada escapa da sua crueza de ver. O anônimo que vira célebre (Roberto Benigni ) acaba acostumando e não se conforma quando volta ao anonimato. O rapaz (Marc Zuckerberg) que trai a namorada, acusa seu ídolo (Alec Baldwin), transformando na sua consciência, de se vender. O marido exemplar que queria agradar os parentes ricos para subir na vida acaba se envolvendo com uma prostituta apresentada como esposa. Há transgressão o tempo todo. O vestido curto e vermelho de Penélope Cruz (arrasadora) em pleno Vaticano. Os homens mais importantes de Roma fazendo fila para marcar hora com a prostituta numa festa. O sujeito superficial e politicamente correto que não passa de um intolerante. A ingenuidade sendo punida pela safadeza.

Mas é um filme que foi vendido como turístico para os investidores, então tudo acaba bem  Há reconciliação, perdão e arrependimento. A Roma de Woody Allen fica parecendo um guia de monumentos e ruas, mas o fato é que alguns personagens declaram o desprezo a essas atrações. O mais importante é a vida das pessoas, todas tornadas comuns, célebres ou não, pelos lugares famosos. Dividindo a cama em hotéis de luxo, conversando em bancos de praça, admirando ruínas, todos são envolvidos pelo medo da morte, expresso quando o veterano não se sente confortável na aposentadoria, ou o jovem estudante de arquitetura que fantasia em mudar a arquitetura e deixar um legado, ou no medo de uma vida medíocre de anônimos que abandonaram seus talentos. Todos tem seu quinhão de miséria neste mundo, mas é melhor ser rico e famoso do que pobre e anônimo, diz o ex-motorista para aqueleque foi abandonado pela notoriedade.

Em Woody Allen, até as lições de vida fazem parte desse verniz cultural que assola nosso tempo, essa irracionalidade que pauta a vida das pessoas, esse obscurantismo que adia o verdadeiro conhecimento. Allen faz grande arte, porque engana a todos dizendo que faz comédia quando faz drama pesado. E denuncia as principais mazelas de hoje, quando nos envolvemos em esperanças vãs, em gestos desesperados e tardios, em terror diante do nosso destino e a fuga dos melhores momentos, aqueles em que no sexo compartilhamos a alegria e o prazer.


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