21 de janeiro de 2016

DUELO NO CENTRO DA CIDADE



Nei Duclós

Faz tempo. Houve uma vez um duelo na minha cidade, Uruguaiana. Dois desafetos se enfrentaram a tiros no centro, na Duque, perto da Esquina Maldita, onde a maledicência batia ponto ao lado de uma parede de mármore preta, dos bancos (talvez existisse ainda o da Província), da Borboleta (onde tínhamos conta para todas as revistas da época como Manchete, Cruzeiro, Seleções, Alterosa e as argentinas Para Ti, para senhoras e moças, e Billiken, para a gurizada). Não morreu ninguém no embate de fogo feito a revólver, mas foi um evento inesquecível para o paulista que estava de passagem, tendo vindo a negócios e compartilhava de algum assunto com meu pai.

Lembro bem da figura, que nunca mais apareceu por aquelas bandas. Era baixinho, elegante, de cabelo lambido e um certo topete, muito comum na época. Usava terno esportivo, com casaco e calças claras, sem gravata. Bem articulado, tinha o dom da narrativa.

Ele apareceu em casa um dia depois do duelo para nos contar sobre sua participação involuntária no fandango. A bala de um dos participantes do confronto ricocheteou no asfalto da rua ou na calçada, fazendo sobrepique numa parede e passou raspando pela sua barriga. Combinando dor com presença de espírito, nosso herói não entrou em pânico, não saiu correndo, não fez estardalhaço. Ele se contraiu e se abaixou, como se estivesse na guerra. Fazia parte da cultura de trincheiras: você se protege enquanto corre o tiroteio. Para ilustrar o ocorrido, mostrou a queimadura da bala na extensão da barriga, toda enfaixada.

Nunca esqueço o desfecho do seu relato preciso, que nos deixou com a atenção suspensa no ar. Aí eu me abaixei e olhei em volta, disse ele. E fiquei por ali, aguardando os acontecimentos. Essa expressão, aguardando os acontecimentos, nunca me saiu da memória. Hoje relembrando por acaso essa porção de tempo perdida por aquela fronteira, me dou conta que se trata de uma lição valiosa. Se você é impactado de surpresa por algum perigo, você se protege, presta atenção e aguarda os acontecimentos. Pois pode vir nova bala e você estará à mercê novamente do tiroteio. O tiro poderia ter sido dirigido a ele, nunca se sabe.

Com sua atitude, ele notou que se tratava de uma briga entre dois elementos furibundos com alguma traição, financeira ou doméstica, e que ele só tinha sido ferido porque estava no caminho, misturado à multidão do centro da cidade, pois naquele tempo as cidades estavam vivas, cheias de grupos de conversas, em volta de bilhetes de loterias, de duplas que se enfrentavam se batendo com apenas dois dedos, o fura bolo e o pai de todos, até sair farinha deles, como se dizia, o que juntava rodas de apostadores e desocupados. Mas como soube aguardar os acontecimentos saiu ileso e podia contar a história no dia seguinte, para assombro da família que o escutava muda.

Ele bem que poderia dourar a pílula e florear o evento, exagerando na sua participação de protagonista e vítima. Mas ele deu outra lição: a de que uma narrativa enxuta, objetiva, era muito mais emocionante do que qualquer exagero retórico.

Grande cara.


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