11 de maio de 2016

IRMÃOS COEN, OS COMEDIANTES SINISTROS



Nei Duclós

Alguma coisa sempre dá errado nos filmes dos Irmãos Joel e Ethan Coen. Normalmente é um crime, como em Fargo ou O grande Lebowski ou em Queime depois de ler: o sequestro de desfecho trágico, o assassinato por obra de um trapalhão, a chantagem envolvendo gangs e governo apresentada como um pastelão, a insanidade como costura das histórias. A fauna humana representa a América deslocada da cultura racional. Todos enlouqueceram e acham que se comportam como pessoas normais.  Como a troupe de John Ford, os atores se repetem, como John Torturro e Steve Buscemi, comediantes pelo avesso, psicopatas juramentados que geram confusão e desconforto.

A crueldade, que é mais explícita em Os fracos não tem vez, é a fuça desse universo ameaçador, que trabalha um acervo de perseguição e morte, chantagem, solidão e brutalidade, investigação e indiferença. É o cinema possível da pós-comédia. Depois dos clássicos como Buster Keaton, Chaplin, Os Três Patetas, Abott e Costello, dos cerebrais Peter Sellers, Steve Martin e Jerry Lewis, e dos anarquistas como Jim Carrey, passando pelo limbo do riso oscilando entre a sofisticação em Jerry Seinfeld e a ingenuidade proposital em Chavez, resta aos Irmãos Coen colocar uma pá de cal na comédia por meio do terror com rostos e gestos minimalistas, acompanhados de sussurros, normalmente idiotias cevadas no obscurantismo mais torpe.

O comportamento impassível do serial killer de Os Fracos não tem vez ou a lógica dos donos da academia em Queime depois de ler, tem a tranquilidade dos criminosos focados no mal que provocam agindo como se nada fosse com eles. É uma aparente distorção, um deslocamento por meio de disfarces, onde a verdadeira individualidade não aparece porque se perdeu para sempre (talvez nunca tenha estado lá). Um quadro que pretende escorregar para o poético, já que exagera a precariedade humana, mas que é apenas o destino dos realizadores, presos em sua armadilha sem solução: personalidades perversas que usam o cinema como espelho fingindo que falam dos outros, quando mergulham em seu próprio inferno. São adultos que se vingam da impossibilidade de voltar à inocência. Eles carregam na transgressão para revelar o quanto perderam na civilização fundada na barbárie.

Muita gente não gosta. Eu vejo sempre. Talvez porque a carpintaria convença ou haja mesmo uma atração complicada nessas histórias que procuram destruir o cinema para apontar outros caminhos. Isso é feito por uma radicalidade pessoal dos Irmãos Coen, comediantes sinistros que exploram a região cinza entre o horror e o riso.



RETORNO - Imagem desta edição: Jeff Bridges (o Dude), Steve Buscemi e John Goodman, antológicos em O Grande Lebowski, disponível no Netflix.

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