14 de julho de 2017

NARRAÇÃO NOIR EM MANHATTAN NOCTURNE



Nei Duclós

Repórter policial de jornal impresso que virou colunista, famoso por ter econtrado garota desaparecida e dar voz ao desespero das vítimas de crimes, é obrigado por um tubarão mafioso e uma loura fatal a achar um vídeo comprometedor com cena de sexo explícito, o que acaba ameaçando sua esposa bem sucedida, cirurgiã, e um casal de filhos. Narrado em off, como manda o figurino dos filmes policiais noir dos anos 30 a 50, ele é tomado pela obsessão de decifrar o mistério do assassinato do marido cineasta da loura, que o envolve em tórrida e perigosa paixão .

Baseado em grande sucesso de Collin Harrison, premiadíssimo autor policial, Manhattan Nocturne (2016) foi escrito e dirigido por Brian DeCubellis e é uma das boas atrações recentes do Netflix. Interpretado por Adrien Brody (o jornalista), Yvonne Strahovski (a loura fatal), Campbell Scott (o marido assassinado), Jennifer Beals (a esposa) e Steven Berkoff (o vilão).

Já foi feito o lead, agora vamos ao que interessa. O que é o cinema em Manhattan Nocturne? A narração em off, que costura a história? A coleção de cenas póstumas gravadas em vídeo por um cineasta que foi assassinado? Ou as imagens “reais” do filme, que interagem com as imagens confinadas em pen drives? A estrutura narrativa lembra Giuseppe Tornatore de La Correspondenza (Lembranças de um amor eterno, 2016), em que um veterano professor desenganado prepara uma série de vídeos que são aos poucos liberadas depois de sua morte para a jovem namorada. A correspondência entre os dois filmes não é aleatória. Em ambos o legado do cineasta ou professor atormenta a mulher deixada em vida, um de forma proposital e outra por contingência de um crime.

Como todo filme é sobre cinema, pergunta-se se a essência da Sétima Arte está na alienação gerada pelas imagens “normais” (dentro da história do filme) ou pela interlocução com as imagens “reais” (produzidas pela história embutida na obra), que também são manipuladas? A narração em off seria um adendo, um apêndice das imagens ou o protagonista da obra, já que tudo remete ao imaginário do espectador (o filme é o que fica na memória visual e cognitiva, deslocando-se da origem, que passa)? São perguntas que podem ser desdobradas em outros textos, já que esse recurso é cada vez mais recorrente nos trabalhos cinematográficos. Em Memória de Helena (1969), David Neves lida com um roteiro de Paulo Emilio Salles Gomes, nosso pensador maior do cinema , usando o que havia na época: o super-8, já que nem o vídeo tape existia.

Não se trata de um truque narrativo, mas uma abordagem teórica do cinema, em que se pesquisa sua essência, embutindo uma narração dentro da outra, como em muitos romances. Tudo é verdadeiro na manipulação de palavras e imagens dentro da moldura de um filme. Ou seria tudo falso?


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