15 de novembro de 2017

UMA DATA COMPLICADA



Nei Duclós

A moeda na economia brasileira é a dívida. Hoje vemos o alto nível da inadimplência de uma sociedade endividada e sem fundos. No Império a dívida era o escravo, que valia, cada “peça”, umas 40 cabeças de gado. Quem manipulava esse mercado eram os “homens de grossa aventura”, como batizou o acadêmico João Luis Ribeiro Fragoso, que detinham o mercado de produtos no atacado e acumulavam a riqueza e a liquidez da nação, colocando os latifundiários sob o jugo do endividamento, pois estes precisavam do escravo para suas safras (que por sua vez eram comercializadas pelos detentores do dinheiro).

A libertação dos escravos significava não apenas tirar os fundamentos da lavoura e da colheita, como desestabilizar essa economia de endividamento progressivo, que foi a causa da demora em obedecermos as imposições da Inglaterra sobre o fim da escravidão. O parlamento do Império, ao decretar, via princesa Isabel, a libertação dos escravos, tornou-se inimigo tanto do latifúndio quanto dos donos do dinheiro, que viraram todos republicanos.

Os abolicionistas, que corriam por fora pelo fim do hediondo sistema, eram republicanos, mas os novos republicanos, empurrados pelo decreto da princesa, não eram abolicionistas. O resultado foi o regime de escravidão do trabalho dito “livre”, que perdurou até as leis trabalhistas, quando Vargas decretou férias, jornada de oito horas, salário mínimo e estabilidade no emprego depois de dez anos de carteira assinada. A Proclamação da República a 15 de novembro de 1889 foi então um golpe de estado cacifado pelos escravistas, que usaram o republicanismo dos abolicionistas e a insatisfação do Exército desde a primeira Questão Militar, quando teve origem o conflito entre a farda e o terno.

Um conflito que ficou insolúvel a partir da Guerra do Paraguai quando os civis monarquistas fizeram uma intervenção no Exército sacrificado (cortando verbas e quadros) que voltara vitorioso para casa. Tiveram o troco com a República. Os militares não eram republicanos, apenas corporativistas. Tanto é que Deodoro gritou Viva o Imperador!, como sempre fazia nas paradas militares, ao desencadear o golpe que depôs Dom Pedro II. O grito do marechal foi abafado por uma salva de canhões ordenado pelo abolicionista e professor militar Benjamin Constant. Houve também a contribuição teórica, pois o Exército estava sob a influência positivista, uma panaceia cientificista que prometia colocar ordem na bagunça social e política.

O Brasil é com-pli-ca-do, dizia meu professor István Jancsó, da USP.


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